CRÍTICAS E ANÁLISES POR ISA SAYÃO.
A união das mulheres de Chantal Akerman
A construção do cinema feminino.
Chantal Akerman foi uma cineasta e atriz belga, historicamente importante para a introdução das mulheres no cinema, tanto quanto em suas produções quanto na elaboração de personagens femininos. Chantal desde cedo se interessou por cinema após assistir "Pierrot le fou" (1965), de Jean-Luc Godard, e decidiu logo depois se mudar para Nova Iorque, para estudar cinema. Sua primeira obra cinematográfica é um curta-metragem chamado "Saute ma ville" (1968), mas logo se destacou com seu primeiro filme experimental, um documentário mudo chamado "Hotel Monterey" (1973). No início de sua filmografia, Akerman conta com o longa-metragem em documentário "News from home" (1976), com uma proposta delicada de seus sentimentos em relação a Nova Iorque e afastamento de sua família, especialmente sua mãe, e seu país de origem, a Bélgica. Outros trabalhos importantes da diretora, como "Je tu il elle" (1974), e "Les Rendez-vous d'Anna" (1978), levantam a temática da descoberta da sexualidade de mulheres sáficas, usando sua criação de tempo para provocar a sensação de aprisionamento das personagens ao espectador. A diretora em questão tem como sua maior característica trabalhar com o tempo e cotidiano de uma maneira mais realista.
"Em geral, as pessoas vão ao cinema exatamente para fugir do cotidiano.
Se eu tenho uma reputação de ser difícil, é porque adoro o cotidiano e quero apresentá-lo"
(AKERMAN, 2019, n.p.)
A cineasta tem seu mais notável filme, "Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles" (1976), uma obra cinematográfica que podemos considerar "a vida em um filme", conceituado como um dos melhores filmes de todos os tempos pela revista Sight & Sound em 2022, revista do British Film Institute que a cada década realiza uma prestigiada lista de filmes históricos.
O cinema é capaz de construir inúmeras narrativas fornecendo um amplo campo para o desenvolvimento de personagens diversificados com suas particularidades e singularidades, fazendo com que a narrativa possa criar uma imersão e relação maior com o espectador. Analisar o trabalho da diretora Chantal Akerman é importante para nos indicar que exibir minúcias individualidades também é sinalizar que o pouco mostrado, ou até mesmo o nada, pode trazer significados e importância. As personagens criadas por Akerman, apesar de todas terem suas próprias características, são personas que conversam entre si, através da originalidade da diretora, representando de uma forma real, sentimental e simbólica a mulher no cinema. Retratadas através da construção de tempo, espaço, memória, cotidiano e sexualidade, como por exemplo a personagem Jeanne Dielman, que em detalhes exibidos no filme "Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles" (1976), podemos observar delicadezas apresentadas de forma empática e realista, como sua elaboração em criar a relação entre mãe e filho, a mulher e sexualidade e a forma que exibe a rotina de uma mulher que trabalha como dona de casa.
Essa construção em relação ao tempo podemos assimilar com outros filmes da diretora como "Les Rendez-vous d'Anna" (1978). Com uma proposta e enredo plenamente diferentes, as técnicas usadas para causar sensações e intimidade com o espectador ainda são as mesmas. Jeanne Dielman, uma mulher de meia idade, dona de casa, viúva, mãe de um menino pré-adolescente e que se prostitui de maneira clandestina da família, apresentada por um olhar de Chantal Akerman, consegue passar através do estabelecimento do ritmo da rotina, mudanças de humor, metáforas, sentimento de culpa feminina, uma semelhança de sensações e identificações com personagens de distintas realidades, como Anna de "Les Rendez-vous d'Anna" (1978), solteira, sem filhos, diretora de cinema, mulher independente, descobrindo suas questões em relação à sua sexualidade. Existe uma certa semelhança de identificação do gênero feminino entre as personagens de Akerman, ou até mesmo a própria diretora em seus trabalhos mais biográficos, como "News from home" (1976), no qual podemos reconhecer semelhanças de concepções de narrativa com que se estruture uma personagem.
No cinema, o campo de criação é formado por conceitos reais da subjetividade de uma narrativa que aborda o cotidiano e sentimentos. Quando questionamos a representatividade de mulheres trabalhando com a sétima arte, reivindica-se a necessidade de mais espaço na área para que artistas se manifestem em suas artes a realidade de forma mais autêntica ao espectador, maior do que se pode ser, aflora-se o feminino composto por vivências pessoais, criado por memórias, oferecendo uma experiência valiosa para o público que assiste o filme.
O trabalho de Chantal Akerman é realizado majoritariamente por mulheres. "Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles" (1976), por exemplo, fez história logo na sua produção por possuir 80% da equipe formada por profissionais do sexo feminino; na época não existiam muitas mulheres qualificadas para cargos como diretores e assistentes de som e luz, impossibilitando de formar uma equipe completamente feminina.
Chantal Akerman é feminista, mas afirma ser contra o termo "cinema feminista", o qual a pesquisa evitará usar. A cineasta afirma em entrevista para o livro "Nothing Happens: Chantal Akerman's Hyperrealist Everyday":
"Quando as pessoas dizem que há uma linguagem de cinema feminista, é como dizer que só existe uma maneira para as mulheres se expressarem" (MARGUILLES. 1996. p.12)
O feminismo questiona a abordagem do cinema através de representações de musas, deusas e da mulher-objeto. A citação "A mulher não existe" (LACAN. 1971. p. 69-70) enfatiza que a mulher é o ser que não é homem, justamente pouco explorado, na ciência é aquilo que lhe falta, e nas artes é pouco aprofundada. Com o tempo, o papel da mulher nas narrativas dos filmes foi criando um certo espaço em contextos diferentes e protagonismo, se afastando do estereótipo feminino, que era condizente com o momento político da elaboração da obra cinematográfica a Segunda Onda Feminista, essa mudança aponta para um padrão social, cujo alcance vai muito além do cinema, é um laço cultural com a época.
A elaboração de concepção das personagens mulheres nas obras de Chantal Akerman, podem ser trabalhadas de maneira que atenda cineastas no desenvolvimento de um processo de criação de personas do sexo feminino, auxiliando nas produções, para que ocorra enredos mais inclusivos, realistas, sensíveis e empáticos com a própria história que se quer apresentar, para que isso ocorra de maneira mais teórica, precisamos entender as justificativas de escolhas na produções dos filmes, que são considerados vanguardistas na questão do feminino ao feminismo, usando como exemplo Chantal, uma das percursoras, do cinema onde se faz existir mulheres, dentro e fora das telas, explorando suas personagens, para que mulheres não sejam representadas de maneira falsa e frívola.
É de extrema importância entender a singularidade de cada história, e o que produz e mantém a ligação entre as personagens, e sua alegoria de ideia à sociedade. O porquê existe essa eficácia de representatividade nas mulheres, criando argumentos e ideias mais concisas da realização de um filme inclusivo, para que na execução da arte, possamos enxergar além.